domingo, 7 de dezembro de 2014

SÃO SÓ LEMBRANÇAS...

Publicamos abaixo mais uma das crônicas produzidas pelos alunos de 8º e 9º anos que participaram do Concurso Literário Flink Sampa 2014, sobre a vida e a obra da grande escritora Carolina Maria de Jesus.

Carolina Maria de Jesus em noite de autógrafos no lançamento de seu livro



                           São só lembranças...

Dizer adeus nunca foi muito meu forte.

Esta casa tem grande valor para mim, pois aqui vivi momentos imensamente felizes, e também tristezas marcantes. Agora, tenho de deixá-la.

Aqui cresceram Laura, Diana e o pequeno Cristiano, - “Ah meu Cristiano, quanta falta você faz!”.

 Me encontro agora empacotando pedaços de um passado que levarei comigo. Desde moça eu tenho o costume de guardar recordações. Vasculhando caixas, deparei-me com as fotos de minha família.Tempos difíceis.

Morávamos os sete numa casinha no meio da roça. Meus pais se conheceram na Bahia, onde casaram e viveram boa parte de sua vida. Passávamos inúmeras dificuldades e tivemos de aprender a ser unidos. Papai ganhava pouco, o aluguel vivia atrasado. Mamãe lavava roupa para fora e quando não tinha clientes vendia doces na cidade. Lembro-me como se fosse ontem: eu e os pirralhos levando a maior surra por tentar pegá-los às escondidas. Quanta vontade, quanta fome passamos ali.

Viemos para São Paulo quando eu tinha quinze anos, em busca de emprego. Ajudava muito em casa. De todos nós, a caçula Luiza foi a única a frequentar escola no período certo. Os outros entraram atrasados e por isso eram alvos de chacota dos “canetinha Silva Penha”, os fresquinhos que possuíam bons livros e as tais canetinhas caras, que eram o sonho de várias crianças na época.

 Zezinho era o segundo mais novo. Eu já tinha doze anos quando ele nasceu. Era de todos o mais arteiro e já havia levado incontáveis surras antes mesmo dos sete anos. Eu  e Zezinho somos os únicos vivos.  

Depois de um tempo que deixamos a Bahia, mamãe passou a trabalhar dobrado, pois meu pai caíra doente de tanto trabalhar. Meu pai foi outro forte, que viveu até os noventa e dois anos, e chorou a morte daquela que tanto o amou. Mamãe faleceu aos oitenta e sete. Meus irmãos já eram crescidos e passaram a sustentar a casa com seus trabalhos.

Luiza foi a que conheceu o trabalho mais tarde. Estudou até o terceiro ano e logo arrumou um emprego de vendedora.

Todos nós arranjamos sequelas daquela época, Luiza em sua saúde, Marlene que já é falecida, urinava todas as noites em sua cama e dizia ter medo de algo que nem ela mesma sabia descrever. Cláudio, que também já faleceu, vivia cheio de manchas de surras por não saber o limite de papai. Lembro-me dele chorando com fome e papai mandando-o ir dormir para que esta se fosse.

Eu, por ser a mais velha, presenciei muitas brigas de meus pais e consolei diversas vezes minha mãe por sentir-se envergonhada de não poder comprar presentes para os pequeninos no natal e em seus aniversários.

Foram tempos difíceis aqueles e mentiria ao dizer que sinto saudades, mas queria poder rever cada um de meus irmãos e beijar meus pais.

Já tive que me despedir tantas vezes...

Lá vou eu! Encontrar-me com novas tristezas e novas felicidades. Sensações e sentimentos que se tornarão apenas lembranças.
 
(Rafaela Gomes Mota - 9º ano B)
 
Para saber mais sobre Carolina Maria de Jesus:

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