segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DO OUTRO LADO DA RUA

Publicamos mais uma das crônicas  inscritas no Concurso Literário Flink Sampa, cujo tema foi o centenário de nascimento da escritora Carolina Maria de Jesus. O texto abaixo é de Augusto Evangelista, do 8º ano B, que se inspirou nos relatos da autora no livro "Quarto de Despejo: diário de uma favelada" para criar um narrador que observa e reflete sobre o cotidiano da favela, sobre a miséria e o preconceito que persistem quase seis décadas após a escrita de Carolina.






Do outro lado da rua


Hoje eu estou me mudando para uma casa que é de frente à subida pra favela. Do meu quarto dá pra ver todas as casas e barracos, então, depois da entediante arrumação da casa, fui para janela espiar com meus binóculos o que estava acontecendo. Vi uma mulher com uma roupa velha e suja descendo com uma sacola de latinhas pra trocar no ferro velho. Pelo seu corpo magro, parecia que ela não comia há dias, mas logo percebi que não era só ela que parecia um palito.

Enquanto eu voltava da escola na segunda-feira, uma menina da favela foi xingada, empurrada e chorou, pois vários meninos ficavam faladando palavras muito feias como “Sua negrinha”, “Favelada”, “Preta do cabelo duro”, “Sua fedida” e outras coisas que prefiro não dizer. O pior era que as mães desses meninos nem ligavam pro que eles estavam dizendo, pareciam até estar gostando.

Na terça-feira, fui comprar pão na padaria do seu Joaquim, e a mesma menina que no dia anterior foi xingada estava pedindo fiado pro comerciante, pois faltava um real para pagar tudo. Seu Joaquim demorou um tempo até aceitar, mas disse que seria só dessa vez. Enquanto fazia o meu pedido, dois meninos com roupas extremamente sujas pegaram dois pães doces e saíram correndo, sumindo entre os barracões. Seu Joaquim nem se deu ao trabalho de correr atrás deles, só disse:

- Esses moleques nunca aprendem.

Na quarta-feira, logo que cheguei da escola, fui olhar com os meus binóculos se havia alguma coisa diferente, mas a única coisa foram duas mulheres, cochichando uma com a  outra e dando olhares de desprezo para uma mulher que estava lendo, sentada num banquinho em frente à sua casa. As mulheres deviam estar com inveja porque a mulher sabia ler e elas não.

Na sexta-feira, uma roda se samba se formou no pé da subida da favela.  Havia uma voz que se destacava por ser afinada e muito bonita, porém, mesmo com os binóculos foi difícil achá-la. A voz era a da mulher que eu vi com a sacola de latinhas. Sua alegria era radiante. Na hora percebi que  só porque uma pessoa tem um olhar de tristeza ou é pobre, não quer dizer que ela não pode se divertir.

O sábado foi totalmente ensolarado. Depois de um bom mergulho na piscina, fui ver com é que eles estavam se dando com o calor. Estavam todas as crianças tomando banho de mangueira, e isso parecia até mais divertido do que um mergulho na piscina.

O domingo foi um almoço de família. Enquanto meu primos brincavam, resolvi ficar espiando a conversa do meu pai e do meu tio, que estavam dizendo que o Brasil estava em perfeitas condições e que não precisava melhorar muito. Então eu fiquei pensando: “Se estamos em condições boas, por que tem gente passando fome, sem moradia, sem trabalho e sem outras coisas?”. Quem sabe eu não encontre as respostas para essas perguntas ali, do outro lado da rua. 

(Augusto Evangelista da Silva - 8º ano B)

Para saber mais sobre Carolina Maria de Jesus:

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